É mudando que descobrimos o que fica

Diego Vélez
Posted by Diego Vélez on Feb 3, 2020 9:50:00 AM

Não é novidade dizer que o conhecimento e as ideias são uma fonte primária de desenvolvimento econômico, ainda mais importante do que alguns recursos "tangíveis". Vimos a criação de novos padrões de trabalho e práticas de negócios que requerem um tipo de trabalhador com habilidades novas e diferentes, incluindo diretores e gerentes. É necessário que as pessoas se adaptem à mudança, que encontrem "novas" soluções para "novos" problemas e que não realizem a mesma tarefa repetidamente.

Na América Latina, muitas vezes assistimos a esse processo "como telespectadores", enquanto nos mantivemos felizes em nossos pequenos feudos, explorando nossos recursos naturais, acumulando algumas grandes riquezas e, ao mesmo tempo, grandes desigualdades. É como a cena de um filme com um personagem velho e anacrônico, entrincheirado em uma casa que é silenciosamente comida pelas traças, enquanto se vangloria de seu passado e de sua servidão que logo acabará.

Aceitemos por completo que nosso verdadeiro progresso e desenvolvimento humano não podem ser separados do desenvolvimento de nossas habilidades e inteligências coletivas. Precisamos aprender o mais rápido possível e não estamos conseguindo fazer isso com as estratégias de costume. Buscar oportunidades de colaboração entre indivíduos e organizações com experiências e competências complementares é uma ótima maneira de criar situações em que "todos ganham" e que nos beneficiam de verdade.

Passos de formiguinha

Na Laboratória, optamos modestamente pelo desafio de gerar um impacto sistêmico e, portanto, significativo em nossa região. Fazemos isso ao trabalhar no desenvolvimento de talentos diversos e ao gerar oportunidades de trabalho de qualidade

Promovemos um modelo de aprendizagem que muda o paradigma tradicional de "eu te ensino" para "eu aprendo", que busca constantemente o desenvolvimento de habilidades de longo prazo, como aprender a aprender, pensamento crítico e resolução de problemas, que prepara para trabalhar em ambientes de incerteza em que não é mais necessário planejar e executar as mesmas tarefas, mas aprender e se adaptar às constantes mudanças.

Em nosso bootcamp de programação em Lima, Santiago, Cidade do México, Guadalajara, São Paulo e, muito em breve, em Bogotá, tentamos garantir que cada uma das alunas se aproprie do aprendizado e desenvolva seu potencial individual para acessar um mercado de trabalho em crescimento, com melhores perspectivas de renda e condições de trabalho. Queremos que todas elas desenvolvam a motivação autodirecionada para continuar aprendendo sempre em busca de seu desenvolvimento pessoal e profissional. Acreditamos que esse aprendizado é o melhor que elas podem levar da experiência na Laboratória.

Além disso, oferecemos programas de treinamento corporativo às empresas para ajudá-las a desenvolver uma mentalidade, cultura e metodologia de trabalho diferentes e a encontrar o talento "oculto" de seus colaboradores. Estamos convencidos de que o potencial e o talento estão em todos os lugares, mas as oportunidades para torná-los visíveis e serem desenvolvidos com sucesso podem não estar.

Aliás, é curioso que quase sempre acreditamos que os trabalhadores que precisam mudar são apenas os "subordinados". Mas, às vezes, são os diretores e líderes. 

Colocar tudo junto 1.0

Toda vez que um grupo de alunas termina seu bootcamp de seis meses, organizamos um Talent Fest. É um hackathon onde as empresas trazem ideias de projetos em que trabalham por 36 horas com as recém-formadas. Esse é o primeiro momento em que conectamos a demanda por talentos das empresas com a busca por oportunidades de trabalho das graduadas.

Acreditamos (ou acreditávamos) que não há melhor maneira de alcançar essa conexão do que facilitando essa oportunidade de se conhecer mutuamente em uma rápida experiência de trabalho real.

TalentFestSaoPaulo-1Talent Fest São Paulo, novembro de 2019. Fonte: Laboratória

Embora nesse evento tenhamos conseguido integrar todos os participantes, são apenas algumas horas que nos deixam com a sensação de não ser o suficiente e que estamos apenas arranhando a superfície das melhores soluções. Tentamos variantes da mesma receita e consideramos outras ideias que produziram tensões e conflitos dentro da nossa própria equipe. Às vezes trabalhamos separadamente, porque não estávamos de acordo sobre se essas novas ideias permitiriam que todas as partes alcançassem plenamente seus objetivos sem "parasitar" umas às outras. Então sempre temos a pergunta:

Como projetar uma "experiência de trabalho 100% real" para que o processo tenha valor suficiente para as empresas e para que as alunas sejam pagas para aprender trabalhando?

Para uma empresa, pode não ser um bom investimento de dinheiro e esforço trabalhar várias semanas com alunas que estão no meio do processo de aprendizagem. Para as alunas, pode ser uma estratégia ruim ter que se adaptar às necessidades específicas dos projetos das empresas pois, muitas vezes, elas não correspondem aos objetivos técnicos de aprendizagem do nosso bootcamp. Para a Laboratória, pode ser um erro terrível forçar uma experiência para a qual nenhuma das partes está pronta e em que ambas acabam "perdendo" algo na tentativa. Esses são alguns dos obstáculos que explicam nossa dificuldade em encontrar diferentes soluções.

Por outro lado, muitos dos programas de treinamento corporativo que oferecemos às empresas conseguem gerar visibilidade e interesse nas organizações quanto a uma abordagem diferente do trabalho. O “não saber”, experimentar e errar para aprender começa a ser visto como algo que ajuda a resolver problemas e a inovar, não como um defeito ou um sinal de incompetência. No entanto, mudar mentalidades, hábitos e comportamentos leva muito mais tempo do que as poucas horas de oficinas e workshops. É muito difícil transformar essa "descoberta" e interesse em uma transformação real que também aumente a capacidade de receber o talento pelo qual trabalhamos. A pergunta que permanece no final desses programas é: como começar? E enquanto a resposta irônica é "vamos começar na segunda-feira", a realidade é que fazê-lo é difícil e é preciso, como no caso de nossas alunas do bootcamp, aprender fazendo.

Picasso

Pablo Picasso "pintando" com luz. Fonte: Revista LIFE

"Estou sempre fazendo aquilo que não sou capaz numa tentativa de aprender como fazê-lo." - Pablo Picasso

A oportunidade de mudar para aprender

Durante a última edição do Talent Fest em Lima (novembro de 2019), uma das empresas participantes foi a RANSA, empresa de logística com presença em diversos países da região que está iniciando um processo de "transformação". A empresa chegou com o objetivo de criar, em 36 horas, junto a um grupo de recém-formadas, o protótipo de um aplicativo para seus clientes.

Muitas das empresas que chegam ao evento vêm com o objetivo de alcançar, em muito pouco tempo, um protótipo ou produto tangível que demonstre o valor de adotar uma forma diferente de trabalhar. Isso quer dizer um trabalho adaptativo que começa com "eu não sei exatamente o que eu preciso fazer ou como fazê-lo e então eu tenho que descobrir ao longo do caminho" em vez de um preditivo que assume "eu sei muito bem tudo o que eu quero fazer e como fazê-lo porque eu já fiz isso antes, então eu tenho que planejar e ser eficiente na execução".

A experiência para a RANSA e as graduadas foi excelente, e então alguém da equipe da Laboratória (Mariano) fez a seguinte pergunta:

"E se, em vez de trabalharmos por 36 horas, fizermos isso por duas ou quatro semanas (graduadas, empresa e a Laboratória)?"

Propusemos a ideia à equipe da RANSA e eles foram confiantes em embarcar conosco nessa aventura sem nenhum destino claro, a não ser a viagem em si. Assim surgiu a oportunidade de tentar algo diferente que nos permitisse aprender com todos os participantes e, em particular, com nós mesmos e descobrir se é possível integrar melhor as necessidades de todas as partes envolvidas.

Criar o aplicativo da RANSA não seria o objetivo em si, mas o meio para aprender uma nova metodologia e cultura de trabalho, uma "infecção" interna. Em nossa opinião, aprender fazendo é o melhor caminho. Assim como nossas alunas aprendem e desenvolvem habilidades como resultado do trabalho em nossos projetos curriculares, desenvolver essa nova cultura e metodologia de trabalho seria, para a empresa, a consequência de trabalhar em seu aplicativo junto a uma equipe de graduadas e mentores da Laboratória. A empresa não "comprou" um serviço de desenvolvimento de software com escopo fixo porque a Laboratória NÃO faz isso (por favor, não insista). Ela se engajou em um processo incerto e guiado que lhe permitiria aprender fazendo e, ao mesmo tempo, alcançar um resultado concreto que gera impacto e visibilidade em sua organização sobre o valor de uma abordagem diferente do trabalho.

"Você não pode forçar o compromisso, o que você pode fazer é... empurrar um pouco aqui, inspirar um pouco lá e apresentar um modelo de comportamento. Sua principal influência é o ambiente que você pode criar." - Peter Senge

Começar pelo começo 

Iniciamos o processo com uma sessão simples de três horas na qual definimos o básico da estrutura Ágil, as funções e responsabilidades de cada participante. Além disso, entendemos melhor as tecnologias, dados e serviços com os quais a equipe teria que lidar. Assim iniciou-se um processo no qual participam:

  • 1 Product Owner da empresa;
  • 1 Back-end Developer da empresa;
  • 4 graduadas no bootcamp: 1 UX Designer e 3 Front-end Developers;
  • 1 gerente de projetos da empresa;
  • 1 líder e mentor técnico da Laboratória;
  • 1 agile coach da Laboratória;
  • 1 vice-presidente da empresa como patrocinador;

Começamos com altas expectativas e muita incerteza. Os primeiros e típicos impedimentos operacionais surgiram de uma organização preparada para executar eficientemente seus processos padronizados. Porém, quando a mudança é necessária, a dificuldade inicial em mudar rapidamente se torna evidente.

RansaFonte: RANSA

Vimos a convicção da equipe participante da RANSA em busca de uma experiência de aprendizagem proveitosa e sua humildade ao "se deixar levar" e confiar que todos fazemos parte da mesma jornada, talvez com objetivos diferentes, mas perfeitamente compatíveis e complementares.

Também confirmamos o quão tenso é para uma equipe ágil e autônoma lidar com a pressão de ter sobre si os olhos de uma organização em processo de mudança. É difícil se mover entre as expectativas tradicionais de delivery quando essa decisão é tomada por alguém de fora da equipe (e que sabe sobre outras coisas, mas não sobre criar aplicativos) e as expectativas de autonomia, experimentação e aprendizado. Há aqueles que esperam com expectativa e interesse a possibilidade real de mudança, os que esperam que não haja "sucesso" para que nada mude, e aqueles que olham com desconfiança o fato de que os integrantes de uma equipe tenham que "aprender ao longo do caminho" e não sejam capazes de executar uma tarefa com maestria, como é ditado pela nossa cultura de trabalho industrial e linear.

Após os dois primeiros sprints, já se percebia uma equipe multidisciplinar, resolvendo os problemas identificados em suas retrospectivas, buscando transparência, aprendendo constantemente, pedindo ajuda quando necessário, superando inseguranças iniciais e começando a sorrir um pouco ao ver os resultados do seu próprio trabalho.

No quinto sprint, a ponta do iceberg foi composta pelos primeiros recursos do aplicativo (histórias de usuário) completos e implementados em uma versão de teste na Google Play Store. Por trás de tudo isso, está o início de um enorme aprendizado para as três partes.

Alguns aprendizados sobre essa tentativa de colocar tudo junto 2.0

As oito semanas de trabalho não acabaram, as conclusões finais e os aprendizados virão mais tarde. Por enquanto, estamos interessados em compartilhar o processo.

Para a empresa

Há um potencial de impacto rápido e efetivo ao promover uma iniciativa que combina uma equipe externa que "carrega" a mentalidade e a cultura desejadas (graduadas e mentores da Laboratória) com a equipe interna que precisa e quer mudar.

Com essa cultura de trabalho "adquirida" e que já está presente em uma equipe, é fácil pensar em continuar ou escalar, pois já se compreende o que é realmente e o que isso implica. Isso acontece graças a "ter feito" e não apenas por ter lido ou ouvido falar a respeito. Você aprende e muda fazendo.

Para as graduadas

Elas vivem uma primeira experiência real de aprendizagem de trabalho sem sacrificar o tempo limitado que têm durante os seis meses do bootcamp. Nesse cenário, não há problema em trabalhar 100% com base nos objetivos e características do projeto da empresa.

Ele é um processo com o acompanhamento da Laboratória, por isso acaba sendo uma transição muito natural para a "realidade de trabalho" que as espera. Elas entendem e vivem as dificuldades das organizações: negociações a serem feitas, falhas a enfrentar, burocracias, dificuldades, etc. Não é mais uma simulação, é real.

Depoimento 1: "No final do bootcamp, eu tinha todas as inseguranças sobre a minha real capacidade de começar uma carreira como desenvolvedora, a síndrome do impostor estava de volta. São momentos de grande incerteza quando precisamos nos conhecer muito bem para aceitar humildemente que sempre haverá algo que não sabemos, mas que essa situação não é estranha para nossos futuros empregadores. Quando ouvi a proposta de continuar o que começamos no Talent Fest, foi maravilhoso. E isso veio para responder às minhas inseguranças do início... "

Depoimento 2: "Comecei cheia de medos e incertezas. No começo, eu me senti em um emaranhado total. Então vi como as coisas gradualmente se clareavam, senti que podia e comecei a me sentir mais empoderada. O aprendizado tem sido um dos mais gratificantes. Embora seja verdade que na Laboratória trabalhamos em projetos semelhantes aos que enfrentaremos em uma empresa, esse projeto é real e desafiador pois trabalhamos em uma equipe ágil e multidisciplinar. Acho que todos nós aprendemos, a empresa, nós mesmas e a Laboratória."

Para a Laboratória

Podemos ser um verdadeiro aliado estratégico que acompanha o processo de transformação das empresas no seu interior, construindo capacidades e facilitando a compreensão sobre como aproveitar melhor o talento das pessoas.

Essa é talvez a melhor experiência de aprendizagem que conseguimos oferecer às alunas-graduadas na história da Laboratória. É a combinação perfeita de "trabalho real", mas com nosso acompanhamento. Essa experiência nos permite repensar absolutamente tudo o que estamos fazendo.

É um desafio encontrar o equilíbrio entre mentorar e acabar se envolvendo, com excesso de iniciativa, na tomada de decisões e definição de estratégias que cabem à empresa.

Lembramos que bootcamps como os nossos têm proliferado ao redor do mundo como uma resposta à desconexão entre a demanda do mercado de trabalho por talentos específicos e a incapacidade do sistema educacional tradicional de responder a essa realidade na velocidade necessária. Essa capacidade de responder depende de "trazer" necessidades e tendências da indústria "em primeira mão"; e essa é uma ótima maneira de fazê-lo.

Cenários onde "todos ganham" são mais possíveis do que pensamos. É difícil deixar a cultura e a mentalidade das relações assimétricas em que tudo se trata, exclusivamente, de transações comerciais nas quais nem todos ganham.

Mudar é sempre uma boa ideia, mesmo que você pense que já está indo bem.

Comentários finais

Sim, é cansativo repensar, experimentar e mudar tudo o que fazemos o tempo todo. Mas não sabemos outra maneira de melhorar constantemente nosso trabalho (por enquanto)... Além disso, é divertido.

Picasso-retratos

Os autorretratos de Pablo Picasso ao longo de sua vida.

Quer dizer que encontramos um modus operandi que podemos usar sempre? Não, estamos experimentando e aprendendo.

Como escalamos uma experiência como essa? Não faço ideia. Teremos que seguir esse caminho incerto quando chegar a hora e se quisermos.

E por que você publica algo que não sabe se vai funcionar? Porque o processo em si é um aprendizado, independentemente do bom, do ruim, dos obstáculos ou dos triunfos resultantes. Porque acreditamos que compartilhar o processo de observação, questionamento-hipótese, experimentação e aprendizagem (sim, aquele método científico que você não dá bola desde a escola) pode "contagiar" um pouco o desejo de descobrir novas formas de aprender ou desenvolver iniciativas de transformação.

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Topics: Artigo, Habilidades do futuro, Cultura de aprendizagem

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