Fomos as pioneiras da programação. #EstáNaHoraDeVoltar.
Já se passaram mais de 100 anos desde que começamos a comemorar o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora ao redor do mundo, e ainda é evidente a falta de oportunidades profissionais para as mulheres em vários espaços. Um dos setores com maior desigualdade de gênero é o tecnológico e nem sempre foi assim.
De fato, a programação começou como uma carreira considerada feminina e muitas mulheres foram pioneiras nesse campo do conhecimento. No entanto, estereótipos semeados com o boom dos computadores pessoais afastaram as mulheres da tecnologia.
Neste mês da mulher, queremos relembrar essa história e convidar nossa comunidade a romper estereótipos absurdos que ainda seguem presentes em nossa sociedade. A tecnologia não é feminina, nem masculina. A tecnologia é presente e o futuro e nós mulheres temos que estar lá e reconquistando nosso espaço.
Eu convido você a assistir ao vídeo de nossa campanha aqui e conhecer mais sobre a fascinante história das mulheres em tecnologia através desse post.
É sério, os computadores modernos foram criados durante a Segunda Guerra Mundial e centenas de mulheres foram recrutadas para programá-las. Então, os homens se interessavam mais pelo desafio de construir um computador — o que agora conhecemos como engenharia de hardware — e a programação — que hoje conhecemos como desenvolvimento de software — era um terreno desconhecido por muitos e até subestimado erroneamente devido a essa falta de conhecimento.
A menor atenção dos homens a esse espaço dentro da indústria, abriu oportunidades para que muitas mulheres se tornassem pioneiras da programação. Uma delas foi Grace Hopper, criadora do primeiro compilador de dados do mundo, um programa que permite escrever código em inglês e logo, traduzí-lo a 0’s e 1’s que um computador possa processar. Grace Hopper era matemática de profissão e entrou para a Marinha dos Estados Unidos, onde começou sua carreira como programadora. Logo, se tornou uma das principais influenciadoras da criação de linguagens de programação, como a Cobol.
Outras pioneiras da programação foram “as ENIAC programers”, um grupo de 6 mulheres que aprenderam sozinhas a programar o primeiro computador 100% eletrônico e digital do mundo, desenvolvido pelos Estados Unidos em um programa militar. O papel dessas mulheres esteve oculto por muito tempo, e em breve um documentário sobre suas trajetórias será lançado (finalmente!).
Paremos por um segundo aqui. Você imagina quão difícil era programar o ENIAC para essas pioneiras? A máquina tinha uma memória limitada, na qual cabiam poucas instruções que elas deveriam escolher muito bem; Não havia teclados ou telas de cristal líquido que permitissem que o código fosse revisado com facilidade. Era necessário escrevê-lo e então passá-lo ao computador através de milhares de cabos e conexões durante vários dias, para daí ver se o computador fazia o que era esperado. E tudo isso aprendendo sozinhas! Sem referências, sem internet, sem comunidades e com tempo limitado, pois obviamente elas também assumiam outros papéis e responsabilidades como mães e esposas em suas casas, já que isso era o esperado das mulheres da época — e ainda é esperado das mulheres de hoje!
https://medium.com/csforall-stories/our-stem-role-models-the-eniac-programmers-b7c4bbfd2bc2
Para não focarmos toda essa história nos Estados Unidos, tenho que mencionar que algumas fontes como a Enciclopédia Britânica (óbvio) indicam que o primeiro computador eletrônico foi criado na Inglaterra. Ela foi chamada de The Collossus e foi fundamental para ganhar a Segunda Guerra Mundial, decifrando códigos dos alemães a uma “velocidade eletrônica”.
E adivinhem só?! Também houve muitas mulheres por trás de sua programação, provenientes da Marinha Real Britânica de Mulheres.
Bem, chega de história militar. Quando a guerra terminou, os computadores começaram a chegar a centros de pesquisa e grandes corporações e foi aí que aconteceu o primeiro “boom” na demanda por programadores. As empresas, à época, buscavam apenas mulheres, já que quase ninguém sabia programar e acreditava-se que as mulheres poderiam aprender com mais facilidade por terem qualidades consideradas mais “femininas”, como a paciência, a capacidade de planejar tarefas passo a passo e a atenção aos detalhes.
Inclusive, a revista Cosmopolitan em 1967 recomendava a suas leitoras que se dedicassem a programação, com frases bastante estereotipadas, do tipo: “Programar é como planejar um jantar”. Obviamente sabemos que programar é muito mais difícil que isso, mas pelo menos éramos chamadas a nos lançarmos massivamente ao mundo dos computadores.
Outro grupo de mulheres pioneiras foram as “computers” da NASA. Sim, elas eram chamadas assim porque faziam cálculos extremamente complexos a mão antes de os computadores chegarem à NASA. Logo, quando as IBM’s chegaram, foram essas mulheres as mais capacitadas para programá-las.
Uma delas foi Katherine Johnson, cujos cálculos tiveram um papel primordial na chegada do primeiro homem à Lua. No último dia 5 de Março deste ano, a NASA inaugurou um centro de estudos com seu nome. A história de Katherine e outras “computers” da NASA é contada em um ótimo longa metragem chamado “Estrelas Além do Tempo”. Não deixe de conferir! :)
A maioria de todas essas programadoras eram autodidatas, porque a carreira de Ciências da Computação apenas estava surgindo nas universidades e poucas mulheres iam à universidade. Mas com tantos estímulos ao redor e a abertura da carreira de Ciências da Computação em outros centros de estudo, mais e mais mulheres se aproximaram da programação nas universidades. Assim, a participação de mulheres em Ciências da Computação nos Estados Unidos cresceu vertiginosamente até 1984, chegando a quase 40%. Até que algo alterou essa trajetória dramaticamente.
Se é a primeira vez que você vê esse gráfico, seguramente você estará surpresa e se perguntando “o que aconteceu após esse pico?”. Te contamos…
Ao final dos anos 1970 e princípios da década de 1980, várias empresas começaram a lançar computadores pessoais. Os mais famosos foram os computadores da IBM — de sistema operativo Microsoft — e as Apple/Macintosh. A revista Time chegou a nomear, em 1983, ao PC como “Person of the Year” — ou nesse caso, “Machine of the Year” e personalidades como Steve Jobs e Bill Gates nos rostos de uma nova e lucrativa indústria.
Mesmo que o PC fosse um grande avanço para o mundo, ele representou um grande retrocesso para a participação das mulheres nas ciências da computação. Essa nova indústria de software lançou suas bases no Vale do Silício, e desde o princípio adotou uma cultura criada por homens que atraiu e reteve muito mais talentos masculinos que femininos.
Assim, a indústria tech se converteu em uma indústria de homens, criando produtos com homens e para homens, com publicidades extremamente estereotipadas, que convidavam aos pais e a seus filhos varões a usar o computador e videogames em casa, deixando às meninas e mulheres de lado.
Esses são apenas alguns exemplos de muitas publicidades estereotipadas de computadores e videogames dos anos 80.
Obviamente estas publicações não saíram do nada. Saíram de uma sociedade já estereotipada com homens encabeçando empresas e agências de publicidade que pensaram que o mais lógico era dirigir esses produtos a homens, pois “são os que trabalham e necessitam”, no caso dos computadores pessoais. E como esse pensamento prejudicou a todas as mulheres curiosas com a tecnologia.
Os computadores deixaram de ser algo escondido em um laboratório, para se tornarem uma ferramenta presente em cada escritório e em cada residência. Algo que os meninos e homens começaram a utilizar muitíssimo mais que as meninas e mulheres. E como essas primeiras máquinas não eram tão avançadas, requeriam algum conhecimento de programação por parte dos usuários. Isso garantiu ao jovens do sexo masculino a oportunidade de se familiarizarem com a programação desde a adolescência.
Assim quando esses homens chegavam ao primeiro dia de aula dos cursos de Ciências da Computação, já na universidade, sabiam muito mais que suas colegas mulheres e por isso, se sentiam superiores a elas que não sabiam tudo o que eles já haviam aprendido utilizando videogames e computadores em suas casas.
Além disso, as universidades e os professores ratificavam esses estereótipos com provas muito difíceis desde o primeiro ano que reprovavam mulheres muito mais rapidamente que aos homens. Provas essas que consideravam necessárias, pois havia muita demanda pela carreira de computação e pouca oferta de vagas.
Aula atual no MIT de Inteligência Artificial. https://www.eecs.mit.edu/node/6885
A Universidade de Carnegie Mellon se deu conta de esse efeito — ou defeito — e criou um programa de Ciências da Computação diferente na década de 1990. Decidiram abrir a carreira com duas “trilhas”: uma linha para pessoas que já começavam com experiência em programação — a maioria de homens — e uma linha para pessoas que não tinham experiência alguma — a maioria de mulheres. Os resultados foram surpreendentes. A universidade se deu conta de que os estudantes se nivelavam após dois anos de estudo, e logo, que um número maior de mulheres completava o programa. Em poucos anos as mulheres graduadas em ciências da computação nesta universidade passaram de 7% a 42%. Um grande exemplo de estratégia para alcançar a eqüidade de gênero, não?!
Mas poucas universidades decidiram modificar o rumo da história como fez Carnegie Mellon. Há um par de casos parecidos contados nessa ótima reportagem do The New York Times chamado “The Secret Story of Women in Coding”.
Assim, essas barreiras e estereótipos criados dentro de casa, a publicidade, a academia e as empresa de tecnologia se retroalimentaram e foram crescendo. O resultado foi mais um estereótipo: o do “geek programador” ainda vigente em todas as partes, desde as empresas tech mais famosas até o seriado Silicon Valley, da HBO.
Já há vários esforços para incentivar a mais mulheres a se aventurarem na busca por uma carreira no setor tecnológico. Na Laboratória já se graduaram mais de 1000 talentosas mulheres e mais de 750 estão colocadas em cerca de 450 empresas espalhadas pelo Perú, México, Brasil, Chile e Estados Unidos. Além disso, há muitas iniciativas surgindo na região como Talent Woman, no México; +Mujeres en UX, no Chile e no Peru e Reprograma, no Brasil.
Ainda são necessárias muitas mulheres mais e mais organizações envolvidas com o propósito de tornar nossa economia digital mais competitiva, diversa e inclusiva. Além disso, é fundamental conhecer a história, para que nos demos conta de que tudo há sido culpa de estereótipos absurdos e antiquados com os quais vale muito a pena romper.
A tecnologia não é masculina nem feminina. A tecnologia é o presente e o futuro, e já está na hora de voltarmos a ter uma indústria mai balanceada entre homens e mulheres.
Convido você a seguir nossa campanha #EstáNaHoraDeVoltar nas redes e a participar. Necessitamos mais mulheres em tecnologia e a mais pais, irmãos, amigos, professores, empregadores e mentores apoiando a essas mulheres.
Traduzido por: Daniella Almeida