Criatividade, inovação e mentalidade digital são competências profissionais cada vez mais requisitadas pelas empresas. Embora essa demanda estimule o surgimento de novas tecnologias para facilitar uma atualização constante, as equipes de recursos humanos sofrem para acompanhar o ritmo.
Por isso, departamentos de RH têm recorrido aos serviços de edtechs, startups especializadas em educação, a fim de estruturar seus programas de treinamento. O Mapeamento Edtech 2018 —levantamento sobre o número de edtechs no Brasil, produzido pela Associação Brasileira de Startups e do Centro de Inovação para a Educação Brasileira—, listou 364 edtechs no país, 43% delas no estado de São Paulo. Apenas 8% atuavam exclusivamente no setor corporativo.
Com a chegada da pandemia, os investimentos nessas empresas cresceram 146%, segundo dados de 2020 da Associação para Investimentos de Capital Privado na América Latina. Atualmente, elas estão entre as principais responsáveis por trazer soluções educacionais inovadoras como gamificação, storytelling e inteligência artificial para as companhias.
"Grande parte do nosso negócio é preparar cursos para grandes empresas", conta André Tanesi, CEO da escola de cursos online Descola. "Acreditamos que as companhias terão um papel cada vez mais influente em desenvolver e treinar a próxima geração de pessoas no mercado de trabalho, já que o acesso a programas de graduação, como o FIES, está diminuindo e é preciso ampliar a diversidade contratando profissionais com diferentes perfis."
"Somos especializados no uso da tecnologia na educação e propomos metodologias mais ativas do que o antigo formato expositivo", afirma Demetrius Lima, CEO da edtech Sábios. "No modelo antigo, as pessoas não têm vontade de interagir."
Ao contratar uma edtech, as empresas podem seguir dois caminhos: criar treinamentos personalizados de acordo com a necessidade ou aderir a cursos já produzidos pelas parceiras, filtrando e montando a melhor trilha de aprendizagem.
De acordo com Lima, áreas operacionais tendem a buscar capacitações em processos e cultura interna, enquanto as administrativas procuram com mais frequência temas relacionados à criatividade, diversidade e trabalho remoto.
Em parceria com edtechs, a Unibrad, universidade corporativa do Bradesco, que já foi premiada com o título de melhor do mundo, explora todas as possibilidades disponíveis para aprimoramento dos funcionários.Para uma empresa que tem como filosofia privilegiar colaboradores de longa data em promoções internas, as variadas soluções em treinamentos são fundamentais para abordar novos temas e tecnologias".
"Seria difícil nos mantermos atualizados sobre novos contextos e ferramentas sem a parceria com edtechs especializadas em diferentes nichos", afirma Juliano Ribeiro Marcilio, diretor de RH do banco. "Eu não consigo construir dentro do Bradesco um time para olhar apenas para Metaverso e treinamento virtual num 'mundo' diferente, por exemplo, mas essas empresas podem nos incluir nessas iniciativas."
A ideia não é aderir a novas tecnologias para mostrar que o banco não fica para trás, mas usá-las para resolver problemas. Por isso, a Unibrad tem uma equipe dedicada a fazer curadoria e avaliação do "cardápio" de cada edtech parceira.
Segundo o executivo, algumas parceiras permitem, inclusive, estender o benefício a familiares de colaboradores e já renderam experiências inovadoras de sucesso. Em 2015, o Bradesco criou seu primeiro jogo corporativo, o BQuest, junto com a Qranio. Disponível a todos os funcionários, estimulava o aprendizado de conhecimentos gerais, softskills e cultura da organização por meio de uma competição de perguntas e respostas. No ano seguinte, foi a vez de experimentar um hackathon (maratona de programação) focado em cibersegurança.
Hoje, junto com a Descola, o banco disponibiliza 45 cursos, que já registraram 120 mil participações. Com a Alura, oferece aprendizado imersivo e personalizado de tecnologia para colaboradores de todos os perfis, usando um modelo que gera métricas e relatórios para avaliar os caminhos de desenvolvimento e o engajamento de cada funcionário, além de analisar demandas de capacitação.
Com 900 unidades, 15 hospitais, 40 mil colaboradores e 250 mil médicos parceiros espalhados pelo Brasil, seria impossível para a rede de saúde integrada Dasa atingir todo seu público sem focar em soluções digitais. Pesquisas internas, inclusive, mostravam que os funcionários buscavam atualização nas ferramentas a que tinham fácil acesso, como TED Talks e YouTube. A partir desses dados, a empresa decidiu procurar as edtechs.
"Somos muito bons com produtos de saúde, mas essas alianças estratégicas nos permitem entregar outros conteúdos customizados a todos os nossos colaboradores", afirma Venâncio Guimarães, diretor de produtos de pessoas e cultura. "Basta uma rede de wifi para que o funcionário possa se desenvolver em qualquer lugar."
"É importante lembrar que, como especialistas, vamos além das palestras inspiradoras: oferecemos método e nível técnico superior", acrescenta Tanesi, da Descola. "Poucas pessoas sabem, mas um áudio de baixa qualidade, por exemplo, está relacionado à maior taxa de evasão em cursos e treinamentos."
Levantamentos internos da Dasa mostram que quem entra na universidade corporativa da empresa evolui 30% mais rápido na carreira, porque desenvolve as capacidades para ocupar cargos imediatamente acima dos seus. Os funcionários deram 88 pontos (de 100 possíveis) para a plataforma na pesquisa de clima, mostrando que o desenvolvimento dos colaboradores é um dos pilares de retenção de talentos na empresa.
A edição de 2021 da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx) —veja como inscrever sua empresa na edição 2022— confirma a importância da educação corporativa para o clima organizacional. Entre os lugares incríveis para trabalhar, 91% adotam práticas formais nesse sentido, enquanto entre todas as empresas participantes da pesquisa esse número é de 65%..
As edtechs também atuam em outros dois problemas latentes do mercado de trabalho: a falta de mão de obra qualificada e a necessidade de inclusão. A empresa de energia Raízen, por exemplo, sentia dificuldade para encontrar bons profissionais de tecnologia. A saída foi incluir no programa do Pulse, hub de inovação interno, parcerias com startups de educação, como a Laboratória, focada em mulheres, e a Toti, com foco em refugiados e migrantes, para trabalhar na formação de recém-contratados.
"Já empregamos cerca de 40 profissionais por meio dessas parcerias", conta José Eduardo Massad, diretor de Tecnologia da Informação da Raízen. "Estamos falando de pessoas com as quais talvez nunca tivéssemos contato e que têm muito a acrescentar à empresa."
A Galena, fundada em 2020, convidou cinco empresas parceiras (iFood, Quinto Andar, Stone, Unilever e Dell) para testar seu modelo, que oferece formação assertiva, com imersão cultural, comportamental e técnica, a jovens de baixa renda e depois os indica, por meio de um algoritmo de matching, a vagas disponíveis. Na hora da entrevista, os contratantes devem dizer sim ou não no ato, sem analisar experiência prévia. Os resultados da primeira experiência foram animadores: 100% de contratação e NPS (métrica que mede a satisfação do cliente) de 96 (a nota máxima é 100) após quatro meses. O número de empresas que aderiu ao serviço já subiu para 15.
Se for contratado, o jovem paga à Galena R$ 300 por mês até completar R$ 6 mil (se perder o emprego, o pagamento é congelado). Se não for contratado, não deve nada. Já a empresa parceira paga R$ 4 mil ao realizar a contratação.
"Falamos muito em trazer o jovem de baixa renda ao mercado, mas muitas vezes trata-se de uma inclusão perversa: o processo não é pensado e, depois de alguns meses, o funcionário é demitido por não atingir a performance ideal e é substituído por outro", diz Rodrigo Dib, co-fundador e diretor de negócios da Galena. "Com um programa robusto, entregamos às empresas um profissional capacitado, criamos uma inclusão qualitativa e comprovamos um menor turnover."